Você já ouviu falar sobre a existência do instituto jurídico denominado “bem de família”? De acordo com o Dicionário Jurídico da Academia de Letras Jurídicas, ele pode ser entendido como: “o imóvel próprio do casal, ou da entidade familiar, impenhorável e que não responde por qualquer tipo de dívida contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam proprietários, salvo nas hipóteses previstas em lei”. Nesse artigo iremos compreender melhor o que isso significa, em quais casos podemos recorrer a ele e a importância desse mecanismo dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
Há dois tipos/espécies de “bens de família”, sob os quais incidem os princípios norteadores da responsabilidade patrimonial e o princípio da tutela do patrimônio mínimo (no qual o devedor terá o mínimo resguardado para a sua sobrevivência), são eles:
1) Bem de família legal: previsto na lei nº 8.009/90, estabelece que: “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei” (art. 1º). Não obstante, no parágrafo único desse mesmo artigo, estabelece-se que: “A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados”. Vale ainda pontuar que o art. 2º aponta que: “Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos”.
2) Bem de família voluntário ou convencional: previsto nos arts. 1.711 até o art. 1.722 do CC/2002, estabelece como patrimônio mínimo (que será protegido por esse instituto) apenas 1/3 do patrimônio líquido de uma família que possua mais de 3 imóveis e uma renda considerada muito grande. Para que essa proteção seja válida, é preciso documentar por matrícula, ou por testamento, todos os bens dessa mesma família (imóveis, móveis, mobiliários, carros). O art. 1.712 do Código Civil estabelece que o “bem de família” consiste: “no prédio residencial, urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios”. No “bem de família voluntário ou convencional”, o mesmo poderá proteger outras formas de patrimônio (observando que, o art. 1.713 do mesmo código proíbe que os valores condizentes aos bens móveis excedam os valores do bem imóvel protegido).
Deixando o juridiquês de lado, podemos resumir que o “bem de família legal” se aplica à maioria das famílias brasileiras, que ao contraírem dívidas, não podem ser despejadas de casa para que seu imóvel pague por suas dívidas. Esse instituto abrange também os bens móveis (geladeira, televisão, computador) existentes em seu domicílio, excluindo apenas “veículos de transporte, obras de arte e adornos”, que poderão ser penhorados para quitar a inadimplência. Do mesmo modo, não poderá ser penhorado os bens que são utilizados para prover a sobrevivência daquela família: como exemplo os instrumentos de trabalho ou até mesmo o veículo se dele for tirado o sustento familiar.
Ademais, podemos apontar que “bem de família legal” pode ser invocado com facilidade, sem custos, por qualquer família, ao passo que o “bem de família voluntário” acaba sendo fruto de uma criação burocrática e custosa (por exemplo, haverá a incidência de honorários advocatícios à família que documentar qual será seus bens protegidos dentro do limite de 1/3 – mas lembrando que ele muitas vezes é utilizado nos casos em que as famílias possuem patrimônio extenso).
Ou seja, esse instituto, nada mais e nada menos, garante um patrimônio mínimo para que os cidadãos, diante de dívidas, não percam seu domicílio visando sanar essas mesmas dívidas que contraíram. Há, no entanto, algumas exceções, visto que, por exemplo, o não pagamento de despesas condominiais podem acarretar na perda dessa proteção. Pelo contrário, dívidas contraídas no comércio (financiamento de um curso universitário, por exemplo) não permitem a execução de um bem de família.
Todavia, é de se destacar a ideia de um patrimônio mínimo: se, por exemplo, uma família possui dois imóveis, uma na cidade e outro na praia, sendo que apenas frequenta o segundo periodicamente, pode ocorrer do imóvel protegido pelo “bem de família legal” seja o imóvel de menor valor, ou seja, quiçá o da praia.
Por fim, é importante pontuar que a concepção de família abrangida por esse instituto não oferece uma abrangência limitada, de tal forma que a súmula 364 do STJ regulamenta que: “pessoa solteira, separada ou viúva também pode ser considerada uma família para a proteção da Lei 8.009/90 [que regula o “bem de família legal”], já que a Lei tem o objetivo de garantir a moradia”.
Ou seja, o que for conhecido como família terá direito aos “bens de família”, e, por isso, não contrair dívidas seus imóveis que incidem sobre tal categoria. Assim, os “bens de família” contraem o objetivo de garantir não apenas a moradia como também a dignidade da pessoa humana, visto que um dos fundamentos deste instituto seria a proteção do lar.